terça-feira, 23 de agosto de 2011

Palhares: A Paranóia

A nossa empresa trabalha com elementos perigosos, maquinário pesado, e poluição. Quando uma empresa atinge certo tamanho, e com esse perfil, a cobrança sobre ela é estratosférica... Cobrança estratosférica possui um termo técnico no mundo científico:

Paranóia.

Entendo exigir máquinas bem-testadas para erguer um container de 300 "X" que pesa coisa de uma tonelada e meia, Admiro exigir que estivadores usem capacete dentro do Depósito 03. Aceito quando os seguranças da empresa recebem poderes extraordinários de parar e alertar os empregados que estejam transitando sem o cinto de segurança...

... Mas quando chega na copa essas disciplinas, aí começo a achar que passou dos limites.

Funcionários como eu não podem trocar a garrafa de água do bebedouro nem o pó da cafeteira se não tiverem o devido treinamento!

Devido treinamento... Para colocar uma garrafa!

Claro, exige certa força muscular para mover os garrafões. Mas nem para ser aqueles grandes de 20 litros... Eu imagino que seja o mesmo dos macacos... Pegar uma peça redonda e ver se não tenta encaixar num buraco quadrado.

Para manter a paranóia funcionando, denunciando os motoristas sem cinto, os estivadores sem capacetes e os macacos não-treinados na arte de trocar o pó do café a empresa criou uma "comissão". São funcionários que possuem tempo de sobra em sua vida para assistir a seminários chatos, torna-los mais chatos e passar para os demais. Veja bem: Não falo de CIPAs de empresas, mas alguns órgãos vinculados a elas... Mas soube de algumas CIPAs que são assim.

Mas para não ser processados, Chamemos o que eu me refiro como "COMI".

Bem, a COMI na minha empresa não é uma CIPA... e acho que não teria autoridade nenhuma para coagir funcionários efetivos, a não ser sugerindo atitudes aos supervisores e gerentes para sofrer algumas sansões. Tal qual aqueles moleques da quinta série que grudava nos bullyings e dizia "Olha lá! Ele não te deu o lanche da merenda! Bate nele!". Isso deve deixar claro como eu me sinto em relação a este sub-orgão de mentecaptos.

Então, quando sou chamado pelo Doutor Ataliba - gerente de segunda linha - para responder a um "evento de inobservância da COMI"... já fui pensando no que poderia ter sido. Minha função é estritamente administrativa, numa sala. Será que alguém viu meu abridor de cartas fora da gaveta? Será que foi quando eu espetei meu dedo num grampo preso no grampeador?

Começo meu martírio de caminhar até a salinha do Doutor Ataliba. Porque os desgraçados não levaram isso só para o CIPA? Ou para meu supervisor imediato? Diabos, até para o Gerente de Primeira Linha! O que foi? O dono da Mina não voltou de Aspem para ouvir sobre o cadarço de meu sapato não-corretamente amarrado?

Eu não sei ainda porque minha surpresa ao ver pela divisória transparente da gerência que o membro da COMI que me aguardava na sala do Doutor Ataliba era o Palhares!

Palhaaaares...

Aí desisti de tentar adivinhar o que poderia ter sido... Não ter contado a carga de "X" trinta vezes a cada passo dos dez metros que separa o galpão de recebimento do depósito dele, não ter sorrido quando ele me fez assistir enquanto ele contava de novo, terem entrado com a senha de outro funcionário no meu terminal...

Mas, pela curiosidade mórbida, me abstive. Bati no vidro, e recebi o gestual de que poderia entrar.

- Tudo bem, Senhor Ivan? - começou o gerente.

- Tudo... Algum problema? - pergunto retoricamente.

- Como tem estado de saúde? - pergunta.

- Nada que possa me queixar.

- E o trabalho? Vai bem? Problema com os prazos?

Caramba... Aquela bola levantada e o Palhares lá com cara de nádegas... Mas já estava enrascado, preferi não entrar defensivamente.

- Só o suficiente para me manter ocupado. - respondo.

- Eu... soube de... - falou, introduzindo o tema da aventura desta semana. - O senhor teve um problema...

- Problema? Eu? - pergunto surpreso. - Qual seria?

- Soubemos que teve um episódio na copa.

"Troquei o garrafão? Coloquei café na cafeteira? Eu usei o micro-ondas uma vez, mas não fiz curso... Será que foi isso?" - comecei a me penitenciar antecipadamente... Mas lembrei que seria impossível prever o que foi...

... Afinal, era o Palhares!

- Eu não estou certo de que saiba do que se trata...

- Nos disseram que o senhor atirou o açucareiro no chão porque não tinha adoçante.

- Eu jo... Joguei?

- Isso parece-nos um sinal de ... Estresse. - interrompe Palhares. - Estamos preocupados com você.

Há... Essa é boa... Palhares preocupado comigo.

- Senhor... eu realmente nego que isso tenha ocor... Espera aí!

O incidente vem a minha memória.

- Foi o de quinta-feira passada?

- Precisamente. - fala Doutor Ataliba. - Possuímos convênios com psiquiatras laborais ...

- Nanananão. - falo então, rindo. Meio que alívio após o mar de loucuras que ia me passando frente à paranóia das COMI. - Eu não JOGUEI o açucareiro no chão. Eu derrubei!

- Jogou... Derrubou... - fala Palhares, dando com os ombros, como se não houvesse diferença entre um verbo e outro.

Sim, o mesmo Palhares que me perguntou trinta vezes pela contagem de "X".

- Eu quis dizer que não Joguei no chão um açucareiro! Eu estava colocando açúcar no meu café e derrubei! Foi um acidente. O açucareiro é de metal, não quebrou nem nada.

- Mas consta no relatório do Sobrinho que o senhor jogou o açucareiro no chão porque não tinha adoçante.

- Sobrinho de quem?

- Sobrinho, dos serviços gerais.

Esforço um pouco em me lembrar, e enfim recordo. É o "Valeu campeããão".

- Ele falou isso? - falo surpreso. - Eu lembro de ter aberto um chamado e ele ter atendido.

- Abriu um chamado por não ter adoçante? - pergunta Palhares.

- Não! Para limpar o açúcar do chão. Segundo o Documento Interno de Publicação, eu não tenho treinamento para operar uma vassoura e nem tenho EPI para abrir a lixeira. Acho que aí eu comentei com ele que eu estava meio que desajeitado com o açucareiro, sabe, porque eu uso adoçante normalmente. Fui tentar fechar e meti a mão na colher.

- Senhor Ivan... - fala o Doutor Ataliba. - O registro consta que o senhor jogou o açucareiro ao chão devido à ausência de adoçante.

- O Filho deve ter anotado o que eu dizia enquanto eu relatava no telefone Não teve nada a ver! - defendi.

- O filho de quem?

- Filho... Neto... Ah, Sobrinho! O rapaz do SG.

- Se me permite... - começa Palhares... Ah, Palhares... - Não é a primeira vez que uma impaciência por parte sua causa algum transtorno no ambiente.

- Impaciência? É os containers de "X" de novo?

- Senhor Ivan - fala o gerente... Esse que eu não podia nem responder à altura. - Aqui mesmo dá para ver por sua linguagem corporal sua postura defensiva, seus olhos correrem de um lado para o outro...

Como dizer que uma inquisição espanhola iniciada por açúcar no chão, que todo o conceito do COMI, e claro, a presença sempre bem-quista do Palhares, esta entidade que personifica a burocracia e a falta de limites era o motivo de meu constante tormento?

- Eu vou ... procurar melhorar, senhor. - falo submisso. Era como os containers do Palhares: Resistir só prolongaria a agonia.

- Vou recomendar ao seu gerente de primeira linha que recomende a seu supervisor que recomende ao CIPISTA do seu departamento que inclua na próxima relação de exames médicos periódicos uma entrevista com psicólogo e avaliação de estresse.

Ah, os CIPAs fazem isso também? Bom saber!

A boa notícia, fruto desta nova jornada à insanidade humana, é que hoje em dia não falta mais adoçante.

A má é que quem não toma café com adoçante precisa ligar para alguém do S.G., porque saiu daquela sala mesmo um Documento Interno de Procedimento exigindo treinamento de todos os que fossem usar o açucareiro.

Um comentário:

  1. olá...

    e eu aqui há quase 9 meses tentando implantar Documentos Internos de Procedimentos...

    Conepa, lembrando de Transformers 3

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