sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Prachedes - quase deu saudades do Palhares

Olá.

Algum tempo não escrevo, não é?

Não, não fui demitido (embora tenha perdido uma oportunidade de... deixa para outra estória). Estou no mesmo lugar que vocês se lembram. Ainda na mina, ainda ralando, ainda penando com nossa grande engrenagem corporativa, emperrada por uma roda dentada com dentes demais... A roda dentada chamada Palhares.

Sei que ele sendo nomeado como meu arqui-inimigo era meio que natural. Mas da mesma forma que quando o Coringa está prezo no Asilo Arkham o Batman precisa combater o Pinguin ou o Charada, quero apresentá-los ao senhor Prachedes.

Se o Palhares é um burocrata folgado e implicante, o Prachedes, Supervisor do Setor Pessoal, é o oposto disso. Bem, folgado ele é... Mas acha que a burocracia e a responsabilidade pode ser contornada com um sorriso de dentes amarelos e uma piscadela. Foia o hálito constante de cigarro que posso jurar é artesanal. Felizmente, eu só trato com ele via telefone e notas eletrõnicas. Um problema de convivência a menos.

Comecemos então com a série "Medição dos dias trabalhados do motorista". Mensalmente, Prachedes deveria enviar para mim um documento informando quantos dias o motorista do caminhão trabalhou. Simples assim. Havia um documento secundário chamado "hora extra" para quando ele precisa ficar depois do expediente ou se trabalhou fins de semana ou feriados, mas este sempre excepcional. Na prática, há um campo "Quantos dias no mês o motorista estava á disposição da empresa?" - e alguém responde entre 20 e 22, os dias úteis de um mês.

 O primeiro documento que recebo era um calhamaço de números e pontos. Eu ligo para o Prachedes, confuso, e pergunto o que era aquilo.

- Ah, é os horários de trabalho do Motorista - explica ele. - Se teve carga, eu anoto a hora que ele sai e a hora que ele volta".

- Mas Prachedes... Eu quero os dias que ele trabalhou! - falo pacientemente. Claro, como o relatório é mensal, essa bomba chega com pavio curtíssimo no fechamento do mês. - Se ele compareceu, se o caminhão não estava na oficina, conta-se "1". Faz-se isso todos os dias e no dia 29, você soma, assina, e me manda o papel! Foi o acordado! Teve até reunião!

- Mas aí é injusto! - protesta o colega. - Semana passada, por exemplo o coitado descarregou aqueles containers de "X" que o Palhares pediu para recontar e se ocupou o dia inteiro!

- Sim... E ontem ele passou a manhã toda na copa, aguardando o funcionário que meche o açúcar. - rebato. - Eu controlo os dias de atividade, não volume de trabalho, Prachedes! Olha... O mês está acabando... Refaz o relatório da forma correta, me passa por fax só para eu adiantar aqui. Depois eu colho sua assinatura.

 Duas horas depois, recebo a documentação. Preciso ligar de novo.

- Prachedes... Você colocou "0" dias trabalhados! - observo.

- Olha a OUTRA folha. - fala triunfante o novo protagonista.

Estava tão absolvido pela primeira que nem verifiquei a segunda folha, a "hora extra".

- Cinquenta e Duas horas extras... - exclamo incrédulo. - O que é isso, Prachedes?!?

- Eu achei injusto contar o trabalho dele por "dia". Então lancei tudo isso nessa outra folha, que aceita por horas.

- Prachedes, homem de deus! Hora extra paga em dobro! Você é supervisor sênior da mina! Se isso cai nas mãos do funcionário ele vai para a justiça do trabalho e nos massacra! Corrige aí rapidinho que tá quase acabando o expediente! E destrua a sua via!!

 Eu rasgo aquilo no triturador. Na verdade, em três trituradores diferentes para não correr risco de alguém colar os pedaços de volta. Processo trabalhista era algo grave na mina... Mas para o Prachedes, era uma forma de "justiça".

 Desta vez demorou só meia hora para a documentação corrigida chegar...

... Zero dias trabalhados, 26 horas extras.

- Veja bem! - comunica Prachedes. - Se a hora extra é paga em dobro, eu dividi as horas que eu achei pela metade. Aí, fica tudo justo!

- Prachedes, pela última vez: - procuro por o tom mais sinistro que pude em minha voz. - Tenho que fechar este controle hoje.  Preciso saber quantos DIAS ele trabalhou. Não importa se passou oito horas dirigindo, não importa se bateu o ponto e foi dormir. Se ele estava presente, é um dia. Se ele faltou ou o caminhão estava na oficina, não conta o dia. Esqueça a hora extra. Eu retifico depois. Ah, e faz o favor de trazer aqui assinado, pois já tá no fim do expediente!

- Não dá para assinar não.

Respiro fundo.

- ... E por que não, Prachedes?

- É que você mandou nesse "Echéu", e o campo de assinatura está bloqueado.

 Deveria ter adiantado que o Senhor Prachedes com seus quarenta e nove anos de idade foi meio que forçado a usar o computador. E se disserem que ele corrige textos passando Liquid Paper no monitor, eu juro que acredito.

- Assine depois de imprimir o documento. - falo didaticamente. - Vai estar "desbloqueado" após a impressão.

- Sem Hora extra, certo?

- Certo! Só conta os dias, preenche, imprime, assina, e me traz aqui quando estiver indo para casa.

 Claro, o que quer que ele tenha feito levou mais duas horas para terminar. Considerando que dividir 52 por 2 levou meia-hora... Foi até rápido. Mas era o último dia do mês, numa véspera de feriado que caiu numa sexta-feira e com ponto facultativo na segunda. Qualquer atraso era uma perda de quatro dias.

Mas enfim, todo apressado, fedendo a tabaco, chega Prachedes, amarrando seu cinto, com duas folhas amassadas nas mãos. Claro, não tinha assinado, mas ao menos ele mesmo lembrou, e assinou na parede mesmo.

- Taí, Ivan. - fala ele, com seu sorrisinho. - Bom feriadão!

 Nem espera eu responder. Prachedes saiu para o mundo comemorar.

 Eu olho o título da coluna: "Quantos dias no mês o motorista estava á disposição da empresa?"

 Prachedes respondeu: "40".

 Imagino que em Saturno os meses teriam 40 dias...

Ps: Fui preposto da companhia numa ação trabalhista com multa. Segundo o processo, nosso motorista trabalhava 52 horas extras por mês.

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